quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Percival Farquhar - Trajetória até a Fundação da Acesita







Percival Farquhar - O Último Titã - Charles A. Gauld


Um empreendedor americano na América Latina.

ORELHA DO LIVRO

O original de Farquhar, o último titã foi publicado em 1964, no centenário de nascimento de Percival Farquhar (1864-1953).

Sua tradução para o português fica pronta para as comemorações de dois marcantes centenários envolvendo Farquhar: o do Porto de Belém, no Pará, e o da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em Rondônia.

Iniciar empreendimentos desses portes em 1907 em ambiente inóspito e disputando técnicos e mão-de-obra com o monumental Canal do Panamá era típico desse empreendedor visionário e sem medo. 

Após passar por Cuba e Guatemala, onde afiou suas armas — que eram persistência e persuasão —, o rastro da presença de Farquhar no Brasil é extraordinário, indo literalmente do Oiapoque ao Chuí. E além, pois seu sistema ferroviário, em torno do qual gravitaram iniciativas como colonização, pecuária, madeireiras, portos, hidrelétricas, siderurgia e outros — todos destinados a criar tráfego e viabilizar as ferrovias —, deveria ter-se tornado transcontinental, chegando ao Pacífico. 

Não chegou. Aliás, quase nada deu certo para Farquhar, que realizou coisas consideradas impossíveis, mas pouco proveito tirou delas. Ele faliu no início da Primeira Guerra Mundial e viu seu projeto de mineração virar empresa estatal na Era Vargas, Cia Vale do Rio Doce.

Estava com 80 anos e pouquíssimo dinheiro em 1944, mas, mesmo assim, começou de novo na siderurgia, fundando a Acesita com sócios brasileiros.

Em 1952, quando deixou o Brasil pela última vez, o Banco do Brasil tomava a Acesita endividada de seus donos.

No entanto, o futuro mostrou que suas visões, além de terem o porte do Brasil, eram também acertadas em muitos pontos. 

Para saber como um homem pode fracassar em quase tudo e continuar um vencedor, é preciso ler este Farquhar, o último titã. É preciso lê-lo também para conhecer melhor o Brasil e apreender o emaranhado de amor e ódio que prevalece nas relações entre o nosso país e os Estados Unidos — cuja política não favoreceu os interesses de Farquhar. 

Gauld, que terminou seu texto em 1963, reflete os medos americanos durante a Guerra Fria, sobretudo depois da perda de Cuba para os soviéticos.

Apaixonado por seu personagem, reflete total antipatia pelos brasileiros que se opuseram a Farquhar, assim como incondicional simpatia pelos que o apoiaram. Do alto de sua superioridade anglo saxônica, seu julgamento do Brasil está longe de ser simpático. Farquhar, que tratava o país como sua terra de adoção, não concordaria com esta forma antipática que Charles Gaud viu e sentiu o Brasil.
Mirian Paglia Costa
Editora da Cultura.
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CONTRA CAPA

Percival Farquhar foi o maior empresário de serviços públicos da história nacional.

Em negócios de hoje, ele seria o controlador ou grande acionista da Light, da Eletropaulo, Embratel, Telefônica e Telemar. Isso e mais a Vale do Rio Doce, a Acesita, os metrôs do Rio e de São Paulo, dez ferrovias e um porto.

Suas PPPs contribuíram para a explosão da revolta sertaneja do Contestado (três mil mortos) e para a mortandade da Madeira-Mamoré. (...) 

Vivia como um príncipe, seco, distante e abstêmio. Os personagens da privataria de hoje caberiam no bolso do colete de sua casaca.

Estudá-lo ajuda a expor tanto os embustes nacionalistas corno a macaquice das ekipekonômicas diante dos magnatas mundiais. (...) 
Elio Gaspari - 2006
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TRAÇOS BIOGRÁFICOS
Entre 1905 e 1918, o americano Percival Farquhar foi o maior investidor privado do Brasil, alcançando estatura semelhante à do Barão de Mauá, que reinou absoluto no século 19. No auge de seu poder, o empreendedor da Pensilvânia canalizou para o país uma enxurrada de recursos vindos da Europa e dos Estados Unidos, aplicando-os nas mais diferentes áreas de negócios -- transporte, energia, comunicações, fazendas e frigoríficos, entre outros.
Em sua maioria, eram grandes projetos, sendo que alguns beiravam a pura megalomania, como a famosa Estrada de Ferro Madeira­ Mamoré, construída em plena selva amazônica. Excentricidade que acabou sendo associada para sempre à figura de Farquhar, a ferrovia foi um desastre completo. Mais de 1 500 trabalhadores morreram na construção e a operação resultou num grande fiasco financeiro. A trágica saga serviu de inspiração para a minissérie Mad Maria, exibida pela Rede Globo. Nela, o empresário foi retratado como um vigarista disposto a tudo para ganhar dinheiro, o que não corresponde a realidade de vida de Percival Farquhar que deve ser tratado com mais respeito pelas obras que realizou e pelas contribuições extremamente significativas ao desenvolvimento do Brasil.
Percival Farquhar se não foi o americano que mais amou o Brasil, certamente foi um dos estrangeiros que mais acreditou e que mais dedicou seus esforços ao nosso pais.
Na realidade, ele era uma figura muito mais complexa e fascinante, conforme mostra a biografia Farquhar, o Último Titã, de Charles Anderson Gauld.
Editado nos Estados Unidos em 1964, somente agora o livro foi traduzido e lançado no Brasil. O Farquhar que emerge das páginas de O Último Titã é um homem em que tudo aparece superdimensionado: o tamanho de seus projetos; o alcance de seus sonhos; sua capacidade de persuasão e de auto ilusão; seu otimismo sem lastro; sua insistência em recorrer ao instinto e decidir sem procurar informações; sua ambição sem limites; sua imensa vitalidade; sua habilidade para levantar recursos; seus estrondosos fracassos -- e sua disposição, depois de cada revés, para lançar-se em novas aventuras.
Nascido numa abastada família Quacker da Pensilvânia em 1864, Farquhar estudou engenharia na Universidade de Yale e direito em Nova York. Foi trabalhando no departamento de exportação da fábrica de implementos agrícolas do pai que ele entrou em contato com a América Latina. Participou da eletrificação dos bondes de Havana e da construção de ferrovias em Cuba e na Guatemala. Em 1905, desembarcou no Rio de Janeiro, iniciando sua incrível aventura brasileira. Farquhar tentou, à sua maneira, desenvolver o país com o dinheiro de investidores americanos e europeus. Nesse aspecto, foi um pioneiro na globalização dos trópicos.
No começo do século 20, quando havia capital em abundância, Farquhar dizia-se capaz de "financiar qualquer coisa". Essa frase estava longe de representar uma bravata.
O empresário começou sua carreira no Brasil ajudando dois investidores estrangeiros a organizar a Tramway Light & Power Company, no Rio de Janeiro. Em seguida, fracassou na implantação de uma empresa semelhante na Bahia. Teve de vendê-la à prefeitura de Salvador, que deixou de pagar parte da dívida. Farquhar não se abateu com o revés e continuou apostando pesado. Sob o guarda-chuva das companhias Brazil Railway e Port of Pará, lançou-se à construção do porto de Belém, à implantação de uma companhia de navegação na Amazônia e à fatídica Estrada de Ferro Madeira­ Mamoré.
No sul do Brasil, Farquhar comprou e expandiu diversas ferrovias, que chegaram a Argentina, Uruguai, Bolívia e Paraguai. Para movimentar e tornar rentáveis as estradas de ferro, Farquhar quis desenvolver economicamente as áreas adjacentes. Incentivou a entrada de imigrantes para a agricultura, incorporou terras, montou a maior serraria, o maior frigorífico e o primeiro armazém refrigerado para exportação de carne do Brasil.
Segundo seu biógrafo, Farquhar teve mais fome de terras do que qualquer personagem da história da América Latina desde o tempo dos incas. Uma de suas empresas, a Brazil Land, Cattle & Packing, tinha 200 000 cabeças de gado e a maior fazenda do mundo.
Com a intensificação do conflito dos Bálcãs, em 1913, e o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, a fonte de recursos externos secou e o precário império de Farquhar desmoronou. As empresas entraram em concordata. Seus financiadores perderam o dinheiro. Ele mesmo tinha especulado na bolsa, com papéis sem lastro, para assumir o controle das empresas. Acabou arruinado. Na época, dizia-se no Rio de Janeiro que os investidores estrangeiros na Amazônia eram como foliões do Carnaval na Quarta-Feira de Cinzas: falidos, com uma enorme dor de cabeça e sem aspirina. O dito popular parecia feito sob encomenda para o empreendedor americano.
Farquhar voltou à carga em 1919, iniciando um ambicioso projeto para extrair minério de ferro da região de Itabira, em Minas Gerais, instalar uma siderúrgica integrada, construir uma ferrovia até o mar e um porto em Santa Clara, no Espírito Santo. O presidente Epitácio Pessoa concordou com o negócio, fornecendo-lhe as diversas concessões.
Farquhar chegou a adquirir a Estrada de Ferro Vitória ­Minas, mas a execução do projeto sofreu tantas demoras que avançou pelo período de Getúlio Vargas. Em 1939, o ditador cancelou todo o negócio. Três anos depois, com seus ativos, foi criada a Companhia Vale do Rio Doce.
Farquhar ainda tentou instalar uma nova siderúrgica em Minas Gerais, a Acesita. Como não conseguiu investidores externos, teve de recorrer a capitais nacionais, principalmente do Banco do Brasil, que como maior acionista acabou assumindo o controle da empresa em 1952. Farquhar tinha 82 anos. Morreu no ano seguinte sem ter conseguido receber do Estado brasileiro o dinheiro de que se achava credor.
As informações sobre Farqhuar na historiografia brasileira são totalmente desencontradas. No livro Chatô - O Rei do Brasil, do jornalista Fernando Morais, o americano é apresentado como dono da Rio Light, da Companhia Telefônica Brasileira e de um grande número de ferrovias no Brasil, de estradas de ferro na Rússia e minas de carvão na Europa Central, além de engenhos de açúcar em Cuba. Edgard Carone, em A República Velha, diz que as empresas de Farquhar viviam de favores governamentais. Embora exagere na admiração ao personagem, tratando-o sempre como um capitalista iluminado e cheio de boas intenções, Charles Gauld apoiou-se numa extraordinária riqueza de documentos e fontes de informações, o que confere um valor histórico à sua obra, ainda não igualado por nenhum outro trabalho.
Percival Farquhar (terceiro à esquerda) em uma mesa com Presidente Afonso Pena

Percival Farquhar em Itabira - 1935
Percival Farquhar assinando um contrato pela Acesita em 1947.